domingo, 15 de agosto de 2010

BELO MONTE: Há mais coisas no ar do que os aviões de carreira.

Apporeli (barão de Itararé)


A moça do tempo faz previsões sobre o clima e não sobre o tempo que é uma grandeza física medida pelo relógio. Para cada tempo há uma solução diferente de acordo com o contexto da época. No caso do Sistema Elétrico Brasileiro — majoritariamente dependente de potenciais hidroelétricos — O clima foi o fator determinante do superdimensionamento. O suprimento de energia elétrica não pode permanecer indefinidamente na dependência de uma fonte única, a hidroeletricidade, sem o grave inconveniente do superdimensionamento e perdendo, desta forma os enormes benefícios, para o sistema como um todo, da complementação e integração com outras fontes de energia. Após 50 anos de utilização de potenciais hidroelétricos, o sistema elétrico das regiões Sudeste e Sul fecha um ciclo de bons aproveitamentos. Nestas regiões, dos potenciais -- previstos pelo levantamento de inventário realizado pela Comissão Canadense Brasileira (CANAMBRA) – a quase totalidade foi concluída ou está em fase final de instalação das últimas unidades geradoras. Os reservatórios de regulação plurianual, Furnas, Itumbiara, foram definidos ha muito tempo, de forma que, o sistema não comporta mais intervenções desta natureza (aumentos de reservatórios). Hoje, após ter esgotado a quase totalidade dos potenciais disponíveis, o sistema elétrico está maduro para uma mudança de rumo: A fase térmica.
Em seu trabalho premiado “Energia para o desenvolvimento” de 1980 — no pleno auge do choque do petróleo — o professor Goldemberg já alertava sobre as conseqüências do elevado endividamento externo em razão da concentração dos empreendimentos hidroelétricos em obras de grande porte. “Recursos essenciais ao desenvolvimento dos países pobres estavam sendo transferido aos países industrializados”. Foi a época do “milagre econômico” e das “obras faraônicas” como Itaipu, Tucuruí, transamazônica e tantas outras obras muito criticadas pelo excesso de ufanismo.
Mas o risco dos sistemas majoritariamente hidroelétricos não depende do clima apenas nos aspectos de manutenção de “energia garantida”, mas dos acidentes que o clima pode produzir como furacões, raios e tempestades. Quanto maior a quantidade de caminhos alternativos, menor o risco de concentração de grandes blocos de energia em corredores exclusivos — cuja retirada reduz a capacidade de suprir a demanda pelo restante do sistema. A destinação do grande bloco de energia de Itaipu por corredor exclusivo de linhas de (extra) alta tensão pode ter sido um dos causadores do recente apagão, que teria sido evitado pelo acionamento de térmicas bem como pela existência de outros circuitos independentes de linhas em tensão mais modestas para subestações intermediárias: Bauru, Araraquara, Marimbondo, etc.
O que realmente falta para o sistema elétrico do Sudeste ter mais segurança operativa são caminhos alternativos por onde a energia fluir em quantidades menores. Enquanto prevalecerem os corredores de transporte otimizado o sistema continuará inseguro. O suprimento de energia da maior cidade do Brasil produzida pela maior hidroelétrica do mundo, transportada em tensão mais elevada do mundo acabaria desembocando no maior problema operativo do mundo.
Os tempos agora são outros: a duras penas o programa do álcool conseguiu êxito comprovado tanto para acionamento de veículos como termoelétricas. A Petrobras vem se firmando como empresa de grande experiência na exploração de petróleo tanto pela auto-suficiência como pelas novas descobertas do Pré-sal. Não há uma razão objetiva para que as termoelétricas não sejam usadas agora na complementação térmica do Sistema.

A teoria de redes foi massivamente utilizada nos sistemas elétricos antes de a INTERNET ensaiar seus primeiros passos. De modo semelhante, quanto maior o número de caminhos alternativos, menor o risco operativo em sistemas elétricos e maior a velocidade da informação na INTERNET. Mas é claro que os sistemas elétricos não podem ter o grau de interconexão, de “todos com todos”, que caracteriza a explosão da informação da Internet. Evidentemente seria um absurdo pretender um sistema invulnerável aos acidentes do clima porque o custo excederia o ganho: deve ser sopesado contra benefícios. Uma sutil diferença: No primeiro transita energia por circuitos físicos que têm custo elevado, especialmente em grandes distâncias, enquanto que na INTERNET transita sinal (informação) por ondas eletromagnéticas independente da distância. Esse foi o grande equívoco de Nicola Tezla, que quase o levou a loucura. Assim como não existem sistemas incólumes ao clima não existirão circuitos invulneráveis a seus efeitos.
Aqueles dentre nós que tiveram a sorte de viver a experiência da construção do Sistema Elétrico do Sudeste podem constatar hoje — com o sistema praticamente completo — a extrema habilidade dos técnicos da Eletrobrás na condução do seu planejamento. É bem verdade que encontraram um sistema — singular e único no mundo — de rios interiores de forte integração regional, que foi a principal causa do extraordinário sucesso do Sistema Elétrico Brasileiro na segunda metade do século passado. Junto com Estados Unidos, Canadá e a antiga União Soviética, o Brasil foi dos países que mais soube tirar proveito do seu sistema ao projetá-lo com uma visão geral antes mesmo que a moderna “Teoria de Sistema” estivesse plenamente estabelecida. Nos países citados o Sistema é regionalizado e complementado por térmicas. Mas o Brasil pagou um preço elevado pela intuição dos técnicos. O fato de não ter petróleo para complementação térmica levou a um extremo endividamento externo pela concentração de capital em empreendimentos hidroelétricos de grande porte (ver “Energia para o desenvolvimento”, trabalho premiado de José Goldemberg, 1980). Só para se ter uma idéia é bastante comprovar que no curto período de 25 anos o Brasil já havia concluído a maioria dos potenciais disponíveis e o petróleo ainda não subira de preço. A recente instalação das duas últimas turbinas de Itaipu encerrou, praticamente, o planejamento do sistema na região Sudeste-Sul. Para comprovar a “grande sinergia” do Sistema Sudeste, basta observar que os reservatórios de Furnas e Itumbiara constituíram imenso estoque antecipado de energia e capital, cujos efeitos permaneceram ativos até os dias de hoje. Durante um longo período o Sistema permaneceu incólume, com um único “apagão” em 2001, que poderia ter sido evitado com um mínimo de usinas termoelétricas.
O Sistema Sudeste foi projetado por vazões mínimas (média do “Período Crítico”) enquanto no “Norte” as usinas estão sendo projetadas por vazões máximas (média de valores históricos), ignorando o “critério de risco” adotado no passado. Como são complementares, os técnicos projetam preencher uma janela de seca no SE para manter cheios os reservatórios até a chegada da estação chuvosa. Nada impede que a energia de recursos de fio d’água seja enviada para suprir demanda no período seco do Sudeste, cujos reservatórios podem ser mantidos cheios com a água economizada. Ora, se houve mudança de critério porque não enviar para o Norte a energia de água excedente do Sudeste para prover a necessidade de energia no período seco do Norte? Um extenso corredor de mão dupla funcionaria ora num sentido (do Norte para o Sudeste) e ora no sentido inverso. Em relação a troca de estoque funcionaria como via de mão única.
Mas, esta é uma possibilidade ilusória, conquanto inteligente. Estoque de energia é uma variável sistêmica que não está localizada em um ponto determinado do sistema. É uma variável que pertence ao sistema como um todo, cujos componentes se transformam em energia elétrica nas diversas alturas das usinas de jusante assim que o volume dos reservatórios de cabeceira libera água. Ora, não se pode reter água nestes reservatórios sem comprometer o funcionamento da usinas de jusante, de cuja vazão sua capacidade é dependente. Pode até comprometer a capacidade de armazenamento sazonal, com perda de potência pela diminuição da altura útil. Por último: se um corredor exclusivo de 900 km está causando problemas operativos na região mais adiantada do país, qual a dimensão do problema que um corredor exclusivo de mais de três mil km poderá causar na planície alagada da Amazônia sujeita ás mais variadas condições de clima e acidentes? Se até a logística da construção de novas usinas já está já está mudando para contemplar condições ambientais, como será a logística da fiscalização do corredor exclusivo? A partir de satélites?
• Estender à região Norte a mesma estratégia de sucesso do Sudeste equivale a retroceder a práticas que foram úteis no passado, mas que não são mais. Significa prolongar a vida de reservatórios que já deram mostras de exaustão e perpetuar uma condição de dependência do clima e dos acidentes que o mesmo produz. O melhor emprego da energia da Amazônia é de forma desvinculada do Sudeste: energia para uso local e produção local de bens derivados da energia (eletrólise)
• A manutenção de “energia garantida” é muito dispendiosa por sua inerente dependência do clima. É um luxo somente permitido aos países industrializados. Não existem sistemas hidroelétricos incólumes ou isentos de risco, como se fosse possível e desejável um sistema de risco zero. Evidentemente isto é um absurdo. Ninguem que estude seriamente o problema considera o risco zero como estado de coisas desejáveis e possíveis. O preço da garantia é o superdimensionamento. A forma natural de ter 100% de “energia garantida” é através de fontes térmicas porque nestas o combustível já constitui um estoque de energia, disponível a qualquer tempo, independente de condições climáticas: basta abrir a torneira do gás e apertar o botão. Aliás, não se compreende porque não foi feito isso no recente apagão. Acontece que térmicas não eram disponíveis pelo fato de não termos petróleo. Pagamos alto preço pela intuição dos técnicos. No auge do choque o petróleo comprometia 50.4% do saldo comercial (José Goldemberg, 1980). Qual foi a estratégia utilizada? Trocamos garantias onerosas de térmicas (consumo) por garantias onerosas de hidroelétricas com reservatórios de acumulação (capital). Para isso contaram com um sistema fortemente integrado e por sorte os potenciais eram incrivelmente baratos á época por serem os primeiros.
• Quem sabe agora o governo desiste da idéia fixa de interligar “o nada com o lugar nenhum” e decida instalar termoelétricas a gás junto aos centros consumidores que não requerem linhas ou junto às antigas termoelétricas — verdadeira “reminiscência arqueológica" da revolução industrial — para reduzir o consumo de combustível fóssil e bagaço.

CONCLUSÕES
• O fato mais importante que decorre das considerações acima é o reconhecimento de que o campo gravitacional na “Bacia Amazônica” é fraco e não pode produzir mais do que a soma simples de cada potencial individual, cuja produção energética total pode ser conhecida “a priori” por simples inventário.
• A interligação elétrica entre usinas não é condição suficiente para tornar o sistema “integrado” na acepção da palavra, tal como acontece no sistema da região Sudeste onde há ligação física entre os rios componentes da bacia, possibilitando a troca de estoques de energia. Em “teoria de sistemas” dizemos que os rios da Amazônia não têm “sinergia”.
• Em termos comparativos o total de energia que pode ser gerada, em Megawatts médios, é menor do que a produzida no Sistema Elétrico do Sudeste, que tem muito menos água. Os potenciais da Amazônia podem ser equipados para produzir potência, mas, cessadas as enchentes, as turbinas ficam ociosas, não produzindo energia. “O imenso potencial energético da Amazônia” não passa de um mito criado pelo “ufanismo”. Somente o uso inteligente dos recursos potenciais da Amazônia pode levar a resultados positivos quando conjugados com a produção de comodities metálicas de alto valor agregado em lugar da exportação de minérios ou exportação de energia.

Por mais incrível que possa parecer o grande potencial de produção de energia está no Sistema realmente integrado do sudeste, inclusive a energia das águas vertidas que está comprometida com a manutenção de “energia garantida” e auto-regulação. A única maneira de ter energia garantida 100% é por termoelétricas. Quando esta energia for liberada deste compromisso — pela utilização de termoelétricas — uma enorme quantidade de energia estará disponível para armazenamento de energia em baterias de carros elétricos e fabricação de produtos estratégicos: chapas e perfis de alumínio; nitrogênio para acionamento de veículos; baterias de Lítio leves e muitas outras aplicações da eletrólise da corrente elétrica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Diferentes visões:

Lago de Furnas

Lago de Furnas
Pesqueiro do Areado