domingo, 15 de agosto de 2010

BELO MONTE: Há mais coisas no ar do que os aviões de carreira.

Apporeli (barão de Itararé)


A moça do tempo faz previsões sobre o clima e não sobre o tempo que é uma grandeza física medida pelo relógio. Para cada tempo há uma solução diferente de acordo com o contexto da época. No caso do Sistema Elétrico Brasileiro — majoritariamente dependente de potenciais hidroelétricos — O clima foi o fator determinante do superdimensionamento. O suprimento de energia elétrica não pode permanecer indefinidamente na dependência de uma fonte única, a hidroeletricidade, sem o grave inconveniente do superdimensionamento e perdendo, desta forma os enormes benefícios, para o sistema como um todo, da complementação e integração com outras fontes de energia. Após 50 anos de utilização de potenciais hidroelétricos, o sistema elétrico das regiões Sudeste e Sul fecha um ciclo de bons aproveitamentos. Nestas regiões, dos potenciais -- previstos pelo levantamento de inventário realizado pela Comissão Canadense Brasileira (CANAMBRA) – a quase totalidade foi concluída ou está em fase final de instalação das últimas unidades geradoras. Os reservatórios de regulação plurianual, Furnas, Itumbiara, foram definidos ha muito tempo, de forma que, o sistema não comporta mais intervenções desta natureza (aumentos de reservatórios). Hoje, após ter esgotado a quase totalidade dos potenciais disponíveis, o sistema elétrico está maduro para uma mudança de rumo: A fase térmica.
Em seu trabalho premiado “Energia para o desenvolvimento” de 1980 — no pleno auge do choque do petróleo — o professor Goldemberg já alertava sobre as conseqüências do elevado endividamento externo em razão da concentração dos empreendimentos hidroelétricos em obras de grande porte. “Recursos essenciais ao desenvolvimento dos países pobres estavam sendo transferido aos países industrializados”. Foi a época do “milagre econômico” e das “obras faraônicas” como Itaipu, Tucuruí, transamazônica e tantas outras obras muito criticadas pelo excesso de ufanismo.
Mas o risco dos sistemas majoritariamente hidroelétricos não depende do clima apenas nos aspectos de manutenção de “energia garantida”, mas dos acidentes que o clima pode produzir como furacões, raios e tempestades. Quanto maior a quantidade de caminhos alternativos, menor o risco de concentração de grandes blocos de energia em corredores exclusivos — cuja retirada reduz a capacidade de suprir a demanda pelo restante do sistema. A destinação do grande bloco de energia de Itaipu por corredor exclusivo de linhas de (extra) alta tensão pode ter sido um dos causadores do recente apagão, que teria sido evitado pelo acionamento de térmicas bem como pela existência de outros circuitos independentes de linhas em tensão mais modestas para subestações intermediárias: Bauru, Araraquara, Marimbondo, etc.
O que realmente falta para o sistema elétrico do Sudeste ter mais segurança operativa são caminhos alternativos por onde a energia fluir em quantidades menores. Enquanto prevalecerem os corredores de transporte otimizado o sistema continuará inseguro. O suprimento de energia da maior cidade do Brasil produzida pela maior hidroelétrica do mundo, transportada em tensão mais elevada do mundo acabaria desembocando no maior problema operativo do mundo.
Os tempos agora são outros: a duras penas o programa do álcool conseguiu êxito comprovado tanto para acionamento de veículos como termoelétricas. A Petrobras vem se firmando como empresa de grande experiência na exploração de petróleo tanto pela auto-suficiência como pelas novas descobertas do Pré-sal. Não há uma razão objetiva para que as termoelétricas não sejam usadas agora na complementação térmica do Sistema.

A teoria de redes foi massivamente utilizada nos sistemas elétricos antes de a INTERNET ensaiar seus primeiros passos. De modo semelhante, quanto maior o número de caminhos alternativos, menor o risco operativo em sistemas elétricos e maior a velocidade da informação na INTERNET. Mas é claro que os sistemas elétricos não podem ter o grau de interconexão, de “todos com todos”, que caracteriza a explosão da informação da Internet. Evidentemente seria um absurdo pretender um sistema invulnerável aos acidentes do clima porque o custo excederia o ganho: deve ser sopesado contra benefícios. Uma sutil diferença: No primeiro transita energia por circuitos físicos que têm custo elevado, especialmente em grandes distâncias, enquanto que na INTERNET transita sinal (informação) por ondas eletromagnéticas independente da distância. Esse foi o grande equívoco de Nicola Tezla, que quase o levou a loucura. Assim como não existem sistemas incólumes ao clima não existirão circuitos invulneráveis a seus efeitos.
Aqueles dentre nós que tiveram a sorte de viver a experiência da construção do Sistema Elétrico do Sudeste podem constatar hoje — com o sistema praticamente completo — a extrema habilidade dos técnicos da Eletrobrás na condução do seu planejamento. É bem verdade que encontraram um sistema — singular e único no mundo — de rios interiores de forte integração regional, que foi a principal causa do extraordinário sucesso do Sistema Elétrico Brasileiro na segunda metade do século passado. Junto com Estados Unidos, Canadá e a antiga União Soviética, o Brasil foi dos países que mais soube tirar proveito do seu sistema ao projetá-lo com uma visão geral antes mesmo que a moderna “Teoria de Sistema” estivesse plenamente estabelecida. Nos países citados o Sistema é regionalizado e complementado por térmicas. Mas o Brasil pagou um preço elevado pela intuição dos técnicos. O fato de não ter petróleo para complementação térmica levou a um extremo endividamento externo pela concentração de capital em empreendimentos hidroelétricos de grande porte (ver “Energia para o desenvolvimento”, trabalho premiado de José Goldemberg, 1980). Só para se ter uma idéia é bastante comprovar que no curto período de 25 anos o Brasil já havia concluído a maioria dos potenciais disponíveis e o petróleo ainda não subira de preço. A recente instalação das duas últimas turbinas de Itaipu encerrou, praticamente, o planejamento do sistema na região Sudeste-Sul. Para comprovar a “grande sinergia” do Sistema Sudeste, basta observar que os reservatórios de Furnas e Itumbiara constituíram imenso estoque antecipado de energia e capital, cujos efeitos permaneceram ativos até os dias de hoje. Durante um longo período o Sistema permaneceu incólume, com um único “apagão” em 2001, que poderia ter sido evitado com um mínimo de usinas termoelétricas.
O Sistema Sudeste foi projetado por vazões mínimas (média do “Período Crítico”) enquanto no “Norte” as usinas estão sendo projetadas por vazões máximas (média de valores históricos), ignorando o “critério de risco” adotado no passado. Como são complementares, os técnicos projetam preencher uma janela de seca no SE para manter cheios os reservatórios até a chegada da estação chuvosa. Nada impede que a energia de recursos de fio d’água seja enviada para suprir demanda no período seco do Sudeste, cujos reservatórios podem ser mantidos cheios com a água economizada. Ora, se houve mudança de critério porque não enviar para o Norte a energia de água excedente do Sudeste para prover a necessidade de energia no período seco do Norte? Um extenso corredor de mão dupla funcionaria ora num sentido (do Norte para o Sudeste) e ora no sentido inverso. Em relação a troca de estoque funcionaria como via de mão única.
Mas, esta é uma possibilidade ilusória, conquanto inteligente. Estoque de energia é uma variável sistêmica que não está localizada em um ponto determinado do sistema. É uma variável que pertence ao sistema como um todo, cujos componentes se transformam em energia elétrica nas diversas alturas das usinas de jusante assim que o volume dos reservatórios de cabeceira libera água. Ora, não se pode reter água nestes reservatórios sem comprometer o funcionamento da usinas de jusante, de cuja vazão sua capacidade é dependente. Pode até comprometer a capacidade de armazenamento sazonal, com perda de potência pela diminuição da altura útil. Por último: se um corredor exclusivo de 900 km está causando problemas operativos na região mais adiantada do país, qual a dimensão do problema que um corredor exclusivo de mais de três mil km poderá causar na planície alagada da Amazônia sujeita ás mais variadas condições de clima e acidentes? Se até a logística da construção de novas usinas já está já está mudando para contemplar condições ambientais, como será a logística da fiscalização do corredor exclusivo? A partir de satélites?
• Estender à região Norte a mesma estratégia de sucesso do Sudeste equivale a retroceder a práticas que foram úteis no passado, mas que não são mais. Significa prolongar a vida de reservatórios que já deram mostras de exaustão e perpetuar uma condição de dependência do clima e dos acidentes que o mesmo produz. O melhor emprego da energia da Amazônia é de forma desvinculada do Sudeste: energia para uso local e produção local de bens derivados da energia (eletrólise)
• A manutenção de “energia garantida” é muito dispendiosa por sua inerente dependência do clima. É um luxo somente permitido aos países industrializados. Não existem sistemas hidroelétricos incólumes ou isentos de risco, como se fosse possível e desejável um sistema de risco zero. Evidentemente isto é um absurdo. Ninguem que estude seriamente o problema considera o risco zero como estado de coisas desejáveis e possíveis. O preço da garantia é o superdimensionamento. A forma natural de ter 100% de “energia garantida” é através de fontes térmicas porque nestas o combustível já constitui um estoque de energia, disponível a qualquer tempo, independente de condições climáticas: basta abrir a torneira do gás e apertar o botão. Aliás, não se compreende porque não foi feito isso no recente apagão. Acontece que térmicas não eram disponíveis pelo fato de não termos petróleo. Pagamos alto preço pela intuição dos técnicos. No auge do choque o petróleo comprometia 50.4% do saldo comercial (José Goldemberg, 1980). Qual foi a estratégia utilizada? Trocamos garantias onerosas de térmicas (consumo) por garantias onerosas de hidroelétricas com reservatórios de acumulação (capital). Para isso contaram com um sistema fortemente integrado e por sorte os potenciais eram incrivelmente baratos á época por serem os primeiros.
• Quem sabe agora o governo desiste da idéia fixa de interligar “o nada com o lugar nenhum” e decida instalar termoelétricas a gás junto aos centros consumidores que não requerem linhas ou junto às antigas termoelétricas — verdadeira “reminiscência arqueológica" da revolução industrial — para reduzir o consumo de combustível fóssil e bagaço.

CONCLUSÕES
• O fato mais importante que decorre das considerações acima é o reconhecimento de que o campo gravitacional na “Bacia Amazônica” é fraco e não pode produzir mais do que a soma simples de cada potencial individual, cuja produção energética total pode ser conhecida “a priori” por simples inventário.
• A interligação elétrica entre usinas não é condição suficiente para tornar o sistema “integrado” na acepção da palavra, tal como acontece no sistema da região Sudeste onde há ligação física entre os rios componentes da bacia, possibilitando a troca de estoques de energia. Em “teoria de sistemas” dizemos que os rios da Amazônia não têm “sinergia”.
• Em termos comparativos o total de energia que pode ser gerada, em Megawatts médios, é menor do que a produzida no Sistema Elétrico do Sudeste, que tem muito menos água. Os potenciais da Amazônia podem ser equipados para produzir potência, mas, cessadas as enchentes, as turbinas ficam ociosas, não produzindo energia. “O imenso potencial energético da Amazônia” não passa de um mito criado pelo “ufanismo”. Somente o uso inteligente dos recursos potenciais da Amazônia pode levar a resultados positivos quando conjugados com a produção de comodities metálicas de alto valor agregado em lugar da exportação de minérios ou exportação de energia.

Por mais incrível que possa parecer o grande potencial de produção de energia está no Sistema realmente integrado do sudeste, inclusive a energia das águas vertidas que está comprometida com a manutenção de “energia garantida” e auto-regulação. A única maneira de ter energia garantida 100% é por termoelétricas. Quando esta energia for liberada deste compromisso — pela utilização de termoelétricas — uma enorme quantidade de energia estará disponível para armazenamento de energia em baterias de carros elétricos e fabricação de produtos estratégicos: chapas e perfis de alumínio; nitrogênio para acionamento de veículos; baterias de Lítio leves e muitas outras aplicações da eletrólise da corrente elétrica.
O CULTO DA TECNOLOGIA

Todas as formas de energia provem do sol, a exceção da nuclear que provem do interior da matéria. A energia hidroelétrica é uma forma de energia produzida recentemente pelo sol que é renovada a cada ciclo de chuvas, mas uma vez utilizados todos os saltos potenciais, não permite acréscimos. De fato, a energia hidroelétrica é “renovada” a cada ciclo de evaporação da água, como energia atual do sol e corresponde àquela do presente. A energia dos combustíveis fósseis, que tambem é uma forma de energia potencial, é a energia captada no passado pelo trabalho da fotossíntese e depositada ao longo de eras geológicas de milhões de anos. Por ser cumulativa, como os raios X, é infinitamente maior que a energia hidroelétrica, por isso não é provável que esteja acabando, em poucos anos do industrialismo.
Só o fato de não gastar combustível não basta para considerar a energia hidroelétrica como mais econômica do que a termoelétrica. É intensiva em capital, que é o fator mais escasso dos países em desenvolvimento. Toda energia atual que não foi utilizada, passando pelos vertedores das usinas, se perdeu definitivamente e não será jamais recuperada. O que isto quer dizer é que a energia hidroelétrica bem como a energia de floresta atual, não se acumula. As florestas naturais não são depósitos de energia como os depósitos fósseis. Por esta razão é que dizemos ser muita pretensão imaginar que, em apenas 300 anos do industrialismo estes recursos estejam se esgotando, uma vez que são infinitamente maiores do que a energia hidroelétrica, praticamente reduzida a meros 700 GW, que se forem utilizados, encerra o ciclo de aproveitamentos hidroelétricos.
No passado, o desenvolvimento ocorreu pela utilização de recursos abundantes da natureza, que era o modo natural compatível com o conhecimento da época. Hoje, o desenvolvimento deve ser buscado através de formas mais engenhosas de utilização da energia. Uma das formas de economizar energia é deixando de gastar por mudança no tipo de atividade, conforme fizeram os países industrializados e alguns emergentes. Outra forma é tentar repor recursos que deram origem aos combustíveis fósseis, plantando novas árvores, ainda que sejam insuficientes. Uma terceira é produzir e gastar a energia de modo mais eficiente. Por incrível que possa parecer, esta é uma das maiores “fontes disponíveis”.


O CULTO DA TECNOLOGIA

A primeira forma, só mudar de atividade, não é o bastante. Significa transferir a outros a responsabilidade de produzir transporte e alimento para atender necessidades mais prosaicas de alimentação e aquecimento de novos consumidores. Afinal, nem todos poderão mudar para outras atividades ao mesmo tempo. Alguns permanecerão responsáveis pelo trabalho pesado, consumidor de energia. Os países industrializados poderão comprar energia, trocando por produtos tecnológicos (quinquilharias eletrônicas), ou então, produzir sua própria energia nuclear (ineficiente para aquecimento) a preços muito mais elevados (cerca de 6000 dólares por Quilowat). Este é o grande problema dos países industrializados: alem de gerar desemprego nos países de origem, seu mercado não é grande o suficiente para se autoalimentar. Tem que ser impingido aos países em desenvolvimento como nova forma de colonialismo. Ao comprarem estes produtos de prematura obsolescência, os países em desenvolvimento pagam uma espécie de tributo pelo “culto da nova tecnologia”. Um computador ou celular com seis meses de uso, não vale absolutamente nada.
É surpreendente que as novas tecnologias da informação e da eletrônica, que produziram tantos resultados, tenham encontrado apenas soluções parciais para problemas, que pareciam menores, como aqueles relacionados com a vida do ser humano concreto, no sentido mais estreito da palavra: sua existência animal e primitiva, como alimentação, aquecimento, circulação e transporte. Atividades biológicas do ser humano concretas exigem gasto de energia que não pode ser suprida apenas por alta tecnologia. O transporte e energia, não podem ser virtuais. A novíssima tecnologia da biogenética já está produzindo aumentos substanciais de produtividade nas plantações de cana e florestas cultivadas. A nova tecnologia da biogenética, utilizada no Brasil em florestas cultivadas (clones de eucalipto) aumentou a produtividade da indústria do aço a partir do carão vegetal em mais de três vezes. No futuro próximo, quando esta tecnologia tiver maior aceitação por parte do público, talvez venha a mudar todo o panorama da produção de alimentos protêicos.
Não obstante as alegadas razões ambientais, a prospecção de petróleo continuará em expansão, dada a sua grande importância estratégica.
Nos próximos capítulos vamos verificar quais atividades podem ceder lugar ao etanol, verificando o consumo de combustível futuro: terra para criação de bovinos e transporte de matéria prima, seguindo o conselho de José Goldemberg: “Os países em desenvolvimento não deveriam trilhar os mesmos caminhos de desenvolvimento do Norte, mas buscar novas direções e assumir os riscos da inovação em áreas especialmente promissoras”.
Por incrível que possa parecer, a mais valiosa fonte de energia permanece subutilizada: “o uso mais eficiente no uso-final da energia disponível e a escolha das alternativas promissoras de produção e seus vetores energéticos”. José Goldemberg (Energia para o desenvolvimento, 1988) e (An End-use Oriented global Energy Strategy,” Annual Review of Energy, 1985) citado no trabalho “Energy for a sustainable World” do World Resource Institute.

COMBUSTÍVEL PARA AQUECIMENTO

O combustível é especialmente valioso porque é a forma mais eficaz de produzir aquecimento, adequado ao perfil do consumo dos países industrializados que está concentrado na demanda por combustíveis para aquecimento e transporte. Estes utilizam fundamentalmente o petróleo, mas poderiam utilizar etanol produzido nos países tropicais a preços concorrentes. Gerar calor por meio de usinas termoelétricas, inclusive nucleares, é um desperdício como mostra a figura 1. Mas, nada impede que venha a ser utilizada, como recurso extremo, apenas terão custos maiores.

Crescimento per cápita do consumo de energia e PNB em %
Energia -6 -12 -6
PNB 21 17 46
Tabela 1 - Crescimento do consumo de energia e PNB per cápita nos países industrializados no período 1973 a 1985.











COMBUSTÍVEL PARA ALIMENTOS

O custo do transporte, até agora visto como uma variável independente, não incide igualmente em todos os setores. Incide pouco sobre produtos tecnológicos, mesmo com preços elevados do petróleo. Já o mesmo não acontece com os produtos básicos. No setor primário, o custo da produção e transporte de insumos básicos é fortemente dependente do combustível. A globalização da economia não é nenhuma novidade pois já ocorreu no século passado. Nem se processa de maneira idêntica e simultânea nos diversos setores da economia, privilegia os produtos mais valiosos. No estágio atual, de fato, o processo de globalização vem ocorrendo, sem obstáculos, em setores de serviços e de alta tecnologia. Componentes tecnológicos valiosos podem ser reunidos e redistribuídos de e para diversos países, quase sem custos. São transportados por aviões, alguns deles virtualmente, como softwares. No setor primário, entretanto, a globalização encontra resistência pelo elevado custo da produção e transporte de mercadorias baratas. Necessidades biológicas como alimentação, aquecimento, circulação, transporte exige gasto de energia que não pode ainda ser suprida por alta tecnologia. Em outras palavras, Energia e transporte não podem ser virtuais.
Até recentemente parecia que a globalização do setor primário fosse seguir os mesmos passos, isto é, insumos básicos de baixo valor como grãos poderiam ser transportados ao redor do mundo para alimentar animais de países industrializados e alguns emergentes. Mas, sucessivas altas no preço do petróleo encareceram a produção e o transporte dos grãos, acompanhando o preço do petróleo. Até os subsídios, praticados pelos países industrializados, se tornaram inócuos, como medida capaz de conter a valorização das comodities agrícolas. É claro que a globalização da economia no setor primário vai seguir um caminho distinto, porque a livre circulação de mercadorias baratas ao redor do mundo intensifica o uso de combustível. Até o petróleo requer combustível (o próprio petróleo) para ser produzido e distribuído. Cotado a 120 dólares o barril na bolsa de Nova York, é uma comodity como outra qualquer, cujo preço, 74 centavos de dólar o litro, é pouco superior ao da soja, cotada a 54 de dólar o quilo na bolsa de Chicago. As novas descobertas em mar profundo dificilmente conseguirão produzir petróleo a um custo inferior ao preço atual.
A terra é outro fator que concorre para mudança de rumo da globalização no setor primário. A utilização da terra para produzir um combustível alternativo em larga escala, apenas troca um recurso limitado por outro. A terra é um recurso tão limitado quanto o petróleo, dizem. A substituição de toda a gasolina contida no petróleo, apenas para consumo de automóveis em todo mundo, vai exigir uma quantidade de terras que pode ser satisfeita as custas da redução da área destinada à criação e engorda extensiva de bovinos que é menos eficiente. Mas, esse não é o problema principal. Algum setor será atingido, e ainda assim, o problema continuaria irresolvido. Faltaria combustível para aquecimento e acionamento de termoelétricas, que continuaria dependente do petróleo. O maior concorrente da produção de grãos e combustível é a extensa área destinada à criação de bovinos. A produção de carne bovina deverá passar por uma reformulação, diante da exigüidade de terra disponível para criação. Conquanto a tecnologia da seleção de linhagens já permita abreviar o tempo de permanência de bovinos no pasto, o mundo todo não dispõe de terra suficiente para atender ao consumo mínimo de carne bovina no presente e no futuro. Só alguns países, com disponibilidade de terra para cria de gado poderão dar-se a esse luxo. A nova tecnologia da biogenética, utilizada no Brasil em florestas cultivadas (clones de eucalipto) aumentou a produtividade da indústria do aço a partir do carão vegetal em mais de três vezes. A produção de alimentos geneticamente modificados pode tornar possível o aproveitamento direto dos grãos na alimentação humana, dispensando a cria de bovinos como fonte de alimentos protêicos. No futuro próximo, quando esta tecnologia tiver maior aceitação por parte do público, talvez venha a mudar todo o panorama da produção de alimentos protêicos.
O atual quadro de incertezas reinante nos organismos internacionais acerca do futuro da globalização está criando um clima de pânico generalizado que levam alguns a pensar: Ou os cultos representantes dos blocos de países (G-8, G-5, G-20) estão mal informados, o que seria inadmissível, ou estão informados demais e, por questões diplomáticas, não querem dizer o que pensam, o que seria um fato lamentável diante da atual crise Americana.


CRISE DE ALIMENTOS OU CRISE DE ENERGIA

Nos organismos internacionais a atual crise dos alimentos é tratada com tamanha superficialidade que leva a suspeita de ignorância ou certa dose de má-fé. Causa estranheza que cálculos simples, utilizando apenas aritmética, não sejam compreendidos pelos cultos chefes de estado que, afeitos a decisões políticas de magna importância, bastaria a eles uma simples consulta a qualquer cientista para ter a ajuda imediata: “as duas coisas estão relacionadas. Entretanto, é muito mais fácil produzir energia de aquecimento e alimentos calóricos (cereais, legumes e frutas) do que alimentos protéicos (carne)”.
Quando a atual crise das comodities é abordada genericamente nos organismos internacionais, os representantes dos diversos países utilizam a expressão “crise dos alimentos” -- um argumento diplomático mais visível e comovente, contraposto ao etanol -- para se referirem ao grão, milho e soja, que importam para alimentar animais. Ora, o grão não é, tipicamente, um alimento do ser humano. Ele os consome, em quantidade significativamente menor que os animais, é claro, na forma de cereais e em conjunto com outros alimentos energéticos. Guardadas as proporções, os animais é que são os grandes consumidores de grãos, especialmente os bovinos. Soja e milho concentram 82.4% da produção agrícola brasileira de 2008. Apenas 7.6% correspondem aos outros alimentos energéticos (Arroz, trigo, feijão, batata, mandioca e outros). Na verdade o mundo não carece de alimentos energéticos, mas de alimentos protêicos como a carne, especialmente a carne bovina, que não consegue produzir em quantidade satisfatória por insuficiência de terra combustível.
Se o temor é o de perder os fornecedores de grãos, isso já está acontecendo: ao melhorarem de vida, os asiáticos desejam pelo menos um décimo do consumo dos países industrializados (100 kg anual por habitante nos Estados Unidos), e não apenas alimentos energéticos como arroz, trigo e animais exóticos.
Paradoxalmente, os representantes dos países industrializados, presumivelmente mais cultos, parecem não levar muito a sério as questões ambientais (Estados Unidos, China) enquanto os representantes dos países em desenvolvimento são os que mais se preocupam. Em plena era da globalização, com as mudanças ocorrendo, problemas cruciais como “Aquecimento Global” e “O Fim dos Recursos Mundiais” - que são problemas de todos, mas não são de ninguem – encontram um tratamento paroquial, cada país buscando a solução de curto prazo para si próprio, que atenda seus interesses imediatos. Países industrializados parecem mais preocupados com o fim dos recursos mundiais, de curto prazo, do que com as mudanças climáticas, cujos efeitos são anunciadas para o fim do século. Seu maior temor é de que países em desenvolvimento venham a utilizar energia da forma predatória, como eles o fizeram no passado e, com isso, tenham que compartilhar recursos escassos como petróleo para aquecimento de residências e, grãos para sustentar a produção de alimentos protêicos em seus países (carne).


COMPETIÇÃO x COOPERAÇÃO

Os choques no preço do petróleo abrem um leque de oportunidades de cooperação espontânea, ímpar na história dos países em desenvolvimento. No artigo “Aspectos atuais da produção energética”, de 1975, já ponderávamos:
As novas condições impostas à economia do país, depois da elevação dos preços do petróleo, vem despertando um interesse pelos assuntos energéticos que, antes, tinha estado latente e restrito aos setores especializados.
Se é certo que, a curto prazo, alguns setores como o dos transportes, continue sofrendo severas restrições, parece claro que, a longo prazo, o país saiu lucrando com a “crise dos combustíveis”: Em primeiro lugar, porque o setor energético foi amplamente beneficiado com a súbita valorização da energia que pode ser produzida por outras fontes, como as de origem hidráulica, das quais o país possui amplos potenciais disponíveis; em segundo, porque foi estimulado a investir na prospecção de recursos petrolíferos próprios, o que vai certamente garantir um futuro mais sólido, como livra o país de uma dependência incômoda.
Conquanto não sejam esperadas alterações substanciais nos rumos da política energética, cujo acerto ficou definitivamente comprovado com a crise dos combustíveis, há um interesse geral em conhecer pormenores de uma “crise” que afeta a todos indistintamente e algumas questões, que dela são derivadas, merecem ser debatidas:
• Como explicar, por exemplo, a afirmação de que a economia do país tenha sido “apenas parcialmente atingida pela crise dos combustíveis?”.
• Não parece que a energia, sobre as mais distintas formas ou origens, se tornou subitamente valiosa com a crise dos combustíveis?
• Não é de se esperar que o país, ao utilizar basicamente fontes hidráulicas na geração de energia elétrica, tenha ganhado um poder de competição na produção de bens industriais, especialmente naqueles cuja produção é intensiva em energia elétrica?
Agora em 2005, com o novo choque do petróleo, as mesmas condições se repetem.
No seu trabalho premiado “Energia para o desenvolvimento” de 1980, o professor José Goldenberg apontava:
“Os países em desenvolvimento não deveriam trilhar os mesmos caminhos de desenvolvimento do Norte, mas buscar novas direções e assumir os riscos da inovação em áreas especialmente promissoras”. “O sucesso do Brasil na produção de aço baseado no carvão vegetal mostra que é possível encontrar tecnologias avançadas que dêem amplo apoio às metas do desenvolvimento. A tecnologia é bem adequada aos recursos de muitos países ricos em biomassa e pobres em combustíveis fosseis”.
A disponibilidade de terras, subtilizada com a engorda de bois em regime extensivo, oferece enorme possibilidade de cooperação espontânea entre países em desenvolvimento, no desenvolvimento conjunto de alternativas mais promissoras: produção de combustíveis derivados da cana e de florestas cultivadas; produção de carne localmente; produção de aço baseado em carvão vegetal; produção sazonal de comodities metálicas de alto valor agregado (alumínio, estanho, níquel, zinco). Estas são alternativas muito mais promissoras do que a simples utilização de recursos naturais na criação extensiva de bovinos.
Os argumentos de “utilização mais eficiente da terra” e “redução do transporte de mercadorias baratas” pode parecer a alguns a expressão de um desejo de que a última etapa da globalização no setor primário reverta em benefício para países em desenvolvimento. Mas, a globalização é um fenômeno irreversível. Já está acontecendo no setor primário, por iniciativa dos países em desenvolvimento, ao tomarem decisões por sua própria conta. O Programa do álcool brasileiro é um bom exemplo. A globalização não é uma estratégia imposta pelos países industrializados para continuar colonizando países em desenvolvimento. Pelo contrário, ocorreu espontaneamente a revelia dos governos dos países industrializados e a despeito das ideologias, crenças e religiões. A cooperação de empresas transnacionais com os países em desenvolvimento propiciou enormes benefícios para ambas as partes com o que os países em desenvolvimento puderam crescer mais. Nada vai impedir que países em desenvolvimento cooperem entre si, espontaneamente, na busca de suas alternativas mais promissoras, a exemplo do ocorrido no leste Asiático. Países em desenvolvimento já têm suas próprias empresas transnacionais, estatais ou não (Petrobrás, Vale, Gerdau, etc., para citar as mais próximas), aceitando o processo de globalização.
A enorme diversidade dos países em desenvolvimento, cada um com suas especificidades, constitui o ingrediente básico para a cooperação espontânea, caminho natural dos novos rumos da globalização da economia. Assim como não é conveniente para os países Asiáticos a formação de blocos, tambem não interessa aos demais países em desenvolvimento. Os blocos interessam mais aos países semelhantes que desejam competir em lugar de cooperar.
Para haver competição é preciso haver similaridade entre adversários (países industrializados) e objetivos coincidentes (venda de produtos tecnológicos), fato comprovado pela experiência das guerras destrutivas do século passado em busca de mercado para os países conflitantes. A experiência mostra tambem a existência de uns poucos países similares e uma grande quantidade de países diferentes, o que quer dizer: geralmente, existem mais formas de ser diferente do que semelhante. A competição realçou as diferenças. Mas, como podem os países se tornar mais diferentes ainda? A resposta é simples: tornando-se especialistas. A especialização dos países certamente acompanhará a especialização ocorrida entre indivíduos no interior de uma sociedade, como bem demonstra a experiência de cooperação dos países industrializados com o Leste Asiático. A extrema especialização tornará cada país tão singular e único que em vez da competição haverá cooperação. Em alguns países em desenvolvimento como o Brasil, a cooperação ocorreu na década de 50, no setor automotivo. Nos dois casos citados os benefícios são evidentes para ambos os participantes.
Tornar-se igual exige esforço competitivo para desenvolver idéias inovadoras. Entretanto, a cooperação atual e passada é um desmentido à convicção de que só a confrontação egoísta e voraz motiva os países para a produtividade. Tornando-se especialista, tudo aquilo de que um país necessita encontrará no mercado, vendendo o seu produto, especial e único, o qual será o complemento de outros. O mercado é neutro: não impõe condições. A ida ao mercado é uma decisão interna de cada um.
O sistema de produção não é mais constituído por uma cúpula restrita e uma imensa massa indiferenciada de países consumidores dos produtos de países industrializados do tempo subseqüente à revolução industrial. As especializações se distribuem completamente por ampla gama de diversidade que não permite mais o antagonismo mortal das guerras de conquista. Núcleos familiares latifundiários e auto-suficientes explodiram diante da urbanização e industrialização crescentes, levando os países às mais variadas e estranhas composições e engajamentos, destruindo os interesses de pequenos grupos dominantes. Afastado o perigo das guerras destrutivas e da explosão populacional os países não necessitam mais ficarem confinados dentro dos estreitos limites do nacionalismo e auto-suficiência. A cooperação exige a complementação das aptidões de cada participante. Quanto mais diferentes, mais chance terão de se complementarem. O próprio contato entre países de crenças e ideologias treina-os para autonomia e cooperação e os predispõem para a aquisição de uma maior cultura, superior e universalizadora, sem que precisem abdicar de suas próprias. A variedade de países e suas qualidades específicas tornarão a competição sem efeito, senão impossível. A cooperação é um estágio superior que permitirá a humanidade alcançar um nível maior de operacionalidade que foi privilégio de uns poucos grupos de elite. Mas, não é imprescindível que precisem abrir mão de sua cultura própria.
O relacionamento entre países guarda algumas semelhanças com os sistemas físicos. Nos sistemas fechados a ”entropia” é sempre crescente, mostrando uma nítida tendência para a uniformidade quando o estado de equilíbrio é atingido (temperatura constante de um gás, por exemplo). Será que podemos afirmar que a “sinergia” tambem cresce no relacionamento de países em cooperação? A princípio, grandes diferenças entre países proporcionam os maiores ganhos sinérgicos com a cooperação. À medida que as carências internas são eliminadas os ganhos se tornam menores até se tornarem nulos. Os dois lados têm a ganhar com as trocas enquanto a cooperação prevalecer. É provável que os participantes se tornem mais semelhantes, não podemos dizer com certeza. Mas, como os dois lados ganham com a cooperação, podemos dizer, certamente, que estarão no final em um nível superior ao dos outros países que não cooperam. Acresce dizer tambem que a presença de humanos no circuito altera as condições de isolamento, tornando as relações entre países um sistema aberto. O próprio contato dos participantes em estágio próximo treina-os para maior autonomia e cooperação, suprindo a dependência, fixações de auto-suficiência e o clima de isolamento característico das relações tradicionais. Países que buscam a auto-suficiência não querem colaborar, pois não têm o que oferecer como moeda de troca. Procuram, sim, competir, através de regras protecionistas, para impor a outros países as condições prevalecentes até a segunda guerra mundial.
Após décadas de baixa persistente no preço das comodities os países industrializados agora querem retornar ao antigo posto de produtores desses bens, como se isso fosse possível. Todos os países ameaçam impor restrições à livre circulação de alimentos como uma recaída aos velhos processos de competição de outrora, hoje sepultados pela crescente colaboração entre países das mais diferentes sistemas políticos, crenças e ideologias. A cooperação se estabelece sem pressões quando as mercadorias circulam livremente. Somente as trocas voluntárias serão capazes de restabelecer o equilíbrio em curto período, dado o estímulo que os altos preços de agora oferecem aos reais produtores: os países em desenvolvimento. Os países industrializados não podem retroceder aos processos primários de produção de comodities gastadores de energia. A produção de etanol a partir do milho evidencia isso claramente: tem balanço energético quase nulo. Corre-se o risco de consumir mais do que produz em termos de energia, como acontece no processo experimental de fusão nuclear.
Exemplo de novas tecnologias:
• Aproveitamento de combustíveis fósseis não agressivos ao meio ambiente.
• Transformação da celulose em combustível líquido ou gasoso.
• Um processo mais eficiente de transformação do calor em trabalho, do qual não escapa nem os futuros processos de fusão nuclear.

A NATUREZA LIMITADORA DOS PRINCÍPIOS

“A usina termonuclear é o modo mais ineficiente de produzir aquecimento, simplesmente porque está condicionada a natureza limitadora dos princípios da termodinâmica”. Não pelo processo em si, caso houvesse um meio de utilizar o calor diretamente. Mas, por questão de segurança, o calor produzido pela reação nuclear é obrigado a passar por pelo menos três circuitos fechados, trocadores de calor com baixo rendimento. Alem disso, é obrigada a recorrer a formas indiretas e redundantes de transformação de calor em energia elétrica e desta em calor novamente, com o mesmo inconveniente da usina térmica convencional a vapor, de baixo rendimento. Reúne tecnologia avançada de processo, com tecnologia ultrapassada de transformação. Mas, em que pese o preço elevado do kW instalado, não é impeditivo que venha a ser utilizada pelos países industrializados em condições extremas.
A maneira mais eficaz de produzir calor é através da queima direta de combustível e, não por coincidência, o aquecimento é a maior demanda dos países industrializados de clima frio (58% nos Estados Unidos). O modo mais barato de produzir trabalho mecânico é a utilização dos potenciais hidroelétricos e a energia de acionamento é a maior demanda dos países em desenvolvimento (50%). Não é, por acaso, que os últimos potenciais inexplorados se encontrem nos países em desenvolvimento (700 GW). Tambem não é surpresa nenhuma que o combustível tenha se tornado escasso (fósseis e biomassa). Ambas as formas operam com elevados rendimentos tanto na produção (80%) quanto no consumo (cerca de 70%). As demais formas de energia têm rendimentos menores seja na produção e/ ou no consumo.
O transporte, maior consumidor de combustível, é a segunda maior demanda dos países industrializados (34%) e a primeira dos países em desenvolvimento (50%). No entanto, o mundo todo continua utilizando o motor à explosão, um meio bastante ineficiente de produzir energia de acionamento.
Alguns exemplos de utilização inadequada ou ineficiente:
• Queimar bagaço de cana é uma forma eficaz de gerar “calor de processo” mas, não é a melhor forma de produzir eletricidade (térmica a vapor).
• A utilização de chuveiros elétricos é uma forma de esbanjar energia. Usar energia elétrica já produzida por termoelétricas convencionais ou nucleares para aquecer residências, que é maior necessidade dos países industrializados (58%), é uma forma cara e redundante de transformar calor em calor (ver figura 1).
Ironicamente, o aquecimento solar direto, que, sem dúvida, é a melhor forma de produzir calor, não está plenamente disponível para os que dele mais precisam, os países de clima frio. Nos países tropicais, é desnecessário.
*** As usinas Henry Bordem, Jupiá e Furnas têm todas a mesma potência, aproximadamente, no entanto o custo por kW instalado é o menor na primeira, e o maior na segunda. A diferença é visivelmente comprovada pelas dimensões, vazão e rotação de cada usina como é mostrado na tabela 8. Quanto maior a rotação (associada a velocidade e altura da queda), maior a eficiência da transformação e menor o custo por kW instalado. Exemplo, ao contrário do que muitos imaginam, o motor a gasolina é mais eficiente que o motor diesel da mesma potência. Turbinas a gás são muito velozes (1800 ou 3600 RPM) e, por isso, muito baratas.
Tabela 8 – Parâmetros e Custos aproximados de usinas e motores
Potência
MW Altura
metros Diâmetro
metros Rotação
RPM Custo
US$ /kW
Furnas 1240 120 8 ~750 ~1000
Jupiá 1222 18 20 ~300 ~2000
Henry Borden 1200 700 3 1800 ~300
Motor diesel 1200 -eficiente
Motor a gasolina 5000 +eficiente
Turbina a gás 2 3600 ++eficiente
Turbina de avião 1 6000 +++eficiente

*** A usina de Jupiá tem seis vezes mais vazão do que Furnas que, por sua vez, tem queda seis vezes maior. Ambas têm a mesma potência instalada, obviamente. Era de se esperar que tivessem o mesmo custo por kW instalado, entretanto não é assim porque os geradores de Jupiá têm maiores dimensões (20 metros de diâmetro, Furnas 8 metros de diâmetro) e, portanto, maiores custos na mesma proporção.
Nos primeiros 25 anos depois de 1950, foram utilizados todos os potenciais a montante de Ilha Solteira que está aproximadamente a 250 metros do nível do mar, constituídos por usinas hidroelétricas extremamente econômicas de alta queda. Esta é a razão objetiva do sucesso alcançado. Todos os demais potenciais a jusante no Rio Paraná, que têm baixa queda, deveriam ter sido postergados, inclusive Itaipu, por terem custos elevados (>2000 US$ /kW instalado) e por isso mesmo considerados “faraônicos”. Este foi o grande equívoco dos outros 25 anos da última década, que estão querendo repetir agora, em um momento de recessão mundial e de grande escassez de capital: As usinas do Rio Madeira, recentemente licitadas. E justamente agora, que as boas condições surgem, estamos cometendo erros grosseiros ao apressarmos a construção das usinas do Rio Madeira: Jirau e Santo Antônio. Não precisa ser especialista, engenheiro ou economista para perceber o erro. Apenas bom senso e uma visão de boiadeiro é suficiente. Não precisa ser economista para saber que o mundo vai passar por recessão, com baixa atividade econômica. Com isso o preço do petróleo, do etanol e dos alimentos está caindo e a taxa de juros praticada vai subir, com a escassez de capital. Ora, justamente agora, estamos gastando capital precioso na construção de hidroelétrica custosa para ficar parada a noite, nos feriados, domingos e meses de baixa atividade econômica (especialmente agora). É bem provável que esta usina fique parada em 70% do tempo, por falta de carga e inexistência de tecnologia para transportar energia daquelas distâncias.
“Aneel pede pressa para iniciar obras de Jirau: o país terá de acionar usinas térmicas e lançar mais de 600 mil toneladas de gás carbônico na atmosfera (Folha, 14/10/2008)”.
Agora que temos etanol e petróleo barato (0,50 US$/litro), não podemos utilizar termoelétricas a gás ou combustíveis líquidos, a um quarto do custo de capital, apenas porque vamos lançar gás carbônico na atmosfera? É, tem gente que ainda acredita em papai Noel: leva a sério essa “nova doutrina do aquecimento global”. Justo agora, que países industrializados estão postergando a construção de usinas termonucleares três vezes mais caras que hidroelétricas, para consumir petróleo no aquecimento de residências (42% do consumo mundial de energia). Com isso vão lançar milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera. Será que estes países levam a sério o aquecimento global?
Outros potenciais da bacia amazônica, como Belo Monte, têm custo do kW instalado inferior aos do Rio Madeira (metade), bem como pequenas centrais hidroelétricas (PCH) tornadas econômicas atualmente e que estão sendo disputadas nas reservas indígenas. Apesar do custo elevado, estas PCH se justificam, em virtude do elevado crescimento do estado de Rondônia.


O SURGIMENTO DOS MITOS

A humanidade toda se sente ameaçada ante a possibilidade que venha faltar alimentos, terra, combustível. As preocupações são genuínas. Mas, devemos lembrar que a humanidade já se confrontou com problemas maiores no passado. A melhor maneira de afastar esses temores e ganhar tempo, até que novas tecnologias estejam disponíveis, é investigar como demanda e oferta de energia se combina no presente, bem como sua evolução futura. Cada país deve fazer a escolha das melhores alternativas de produção e consumo de energia, como aponta José Goldemberg no seu trabalho premiado “Energia para o Desenvolvimento”, de 1988, cuja principal conclusão é a seguinte:
“Os países em desenvolvimento não deveriam trilhar os mesmos caminhos de desenvolvimento do Norte, mas buscar novas direções e assumir os riscos da inovação em áreas especialmente promissoras”.
Em lugar de prever o futuro, países em desenvolvimento devem ler o passado, não para copiar, mas para não incorrer no erro de soluções que se tornaram inviáveis naqueles países, simplesmente porque as condições mudaram. Ao invés de planejar, os diversos países devem “garimpar” as alternativas promissoras próprias.
Os países em desenvolvimento não precisam, necessariamente, repetir os mesmos passos dos países industrializados, evitando assim escolher alternativas que se tornaram inviáveis nestes países. Podem queimar etapas com melhores escolhas. Nem os países industrializados precisam, hoje, retroceder ao passado do industrialismo para proteger seus empregos.
Conclusões de Malshal McLuhan, o papa da comunicação, referenciado por L.O. Lima em “Mutações em Educação segundo McLuhan”, 1982, 16º edição, Vozes RG:
“Mas terá cabimento, num país subdesenvolvido, tomar-se como meta a reflexão vinda de (McLuhan) de uma civilização pós-industrial como a americana? Muitos pensadores estão convictos de que a reflexão prospectiva – dedução do statu quo dos países altamente desenvolvidos – é a melhor solução para os países subdesenvolvidos: assim, esses países evitarão incorrer (por ensaio e erro) nas soluções que hoje se mostram inadequadas naqueles”. Por outro lado, o processo civilizatório atual -- dentro das defasagens internacionais – mostra que é possível queimar etapas: a eletronização da Amazônia, por exemplo, é uma comprovação de que se pode antecipar as comunicações que (se tivessem que seguir as etapas históricas) passariam antes pelas estradas a pé, a cavalo, por água, estradas de rodagem, estradas de ferroe, finalmente pelo avião, antes de chegar as microondas e aos satélites”.
As circunstâncias históricas mudam de tal forma que muitas soluções, consideradas anacrônicas, podem ser ressuscitados com sucesso, graças à nova tecnologia da biogenética. Assim, o aço brasileiro baseado em carvão vegetal, vista por muitos como anacrônica, compete bem nos mercados, atualmente, porque sua indústria está muito mais adiantada em relação à antiga tambem baseada em carvão vegetal, há muito abandonada pelos países industrializados, alem do que a tecnologia da biogenética favorece países tropicais. As árvores utilizadas na Suécia levam trinta anos para serem aproveitadas, enquanto as florestas cultivadas do Brasil são cortadas com seis anos. Os ganhos de produtividade das florestas cultivada no Brasil aumentaram em cinco vezes, pelo emprego de “clones” de eucalipto e melhores técnicas de cultivo e de aproveitamento do carvão vegetal. È um feito surpreendente que mostra o caminho a ser seguido pelos americanos e chineses que insistem nas grandes siderúrgicas a carvão mineral. O próprio “Gasogênio”, uma relíquia do passado da segunda guerra, pode ser ressuscitado como uma alternativa promissora para países pobres carentes de petróleo, mas ricos em biomassa.
Para ilustrar o descasamento entre países e como etapas podem ser queimadas, recorremos às conclusões de trabalho do autor destas linhas:
Como, fatalmente toda energia do futuro passará pela queima de algum combustível, este fato não representa desvantagem para os países em desenvolvimento, ao contrário dos países industrializados que recorrerão à energia nuclear, mais cara, para obterem energia de aquecimento. Quando houver predominância de térmicas nos países em desenvolvimento, estes poderão afinal ficar livre do “critério de risco”, utilizado pelos planejadores na década de 50: as novas usinas hidroelétricas da Amazônia não precisarão estar condicionadas ao atendimento da carga em qualquer circunstância, como antes, quando o sistema foi exclusivamente hidroelétrico. Estas, bem como as atuais hidroelétricas, não serão mais responsáveis pelo atendimento das solicitações instantâneas da carga, que passará a ser suprida ocasionalmente pelas termoelétricas (de custo fixo mais baixos) que serão maioria. Tambem funcionarão a plena potência em todas as condições de vazão, a qual não precisa ser garantida. A “energia garantida” não precisará ser aquela do “Período Crítico”, mas a máxima que as hidroelétricas puderem produzir, em qualquer condição de vazão, limitada apenas à potência instalada de cada usina. Mesmo que não exista carga, esta poderá ser criada artificialmente para a produção sazonal, a baixo custo, de comodities metálicas de alto valor agregado, intensivas em energia elétrica (eletrólise a quente), tornando assim em instrumento eficaz de planejamento da produção industrial. A excessiva motorização das usinas hidroelétricas atuais, que foi motivo de muitas críticas, como “obra faraônica”, agora por motivo de mudanças históricas, felizmente encontra uma alternativa bastante promissora de utilização (“O Sistema elétrico do Brasil”, janeiro de 2005, do autor).

PEQUENO HISTÓRICO DOS POTENCIAIS DA AMAZÔNIA

Ao longo do tempo a Amazônia foi alvo de intervenções desastrosas que marcaram profundamente o imaginário do povo da região. A única certeza que temos é a extrema ignorância acerca dos recursos naturais e dos riscos ambientais na região. Custa a crer que depois de tantas intervenções desastrosas, a floresta tenha permanecido incólume até os dias de hoje. Predominam duas visões antagônicas e conflitantes, que constituem a principal razão dos debates acalorados entre os diversos setores envolvidos, cada um tentando prevalecer seus argumentos como principal condicionante. Uns, tem uma visão demasiado otimista acerca da capacidade dos potenciais de suprir as necessidades do sistema Sudeste e Sul, uma visão exploratória que não contempla os riscos ambientais dos grandes reservatórios. Outros têm uma visão patrimonialista de um meio ambiente “intocado” que precisa ser protegido a qualquer custo, como um “patrimônio da humanidade”, uma espécie de “santuário ecológico”.
Os problemas da Amazônia envolvem aspecto de natureza sócio ambiental, política, técnica e econômica. Do ponto de vista sócio ambiental as restrições são genuínas, em vista dos antecedentes de interferência indevida. Do ponto de vista técnico, o problema está mal colocado. Mesmo sem focar os argumentos apenas no aspecto ambiental, constatamos que, de todas as intervenções, até hoje não conseguimos encontrar uma sequer que não resultasse em fracasso retumbante. Os grandes vilões da Amazônia são as queimadas, seguidas da criação predatória de bois. Com o despertar da consciência ambiental no fim do século o olhar do mundo inteiro estará voltado para a região amazônica, pondo em xeque questões de soberania. Não é só a questão de emissão de gases do efeito estufa, mas também o efeito de grandes reservatórios que constituem fator elevado de risco potencial que podem alterar o clima de forma ainda não conhecida. Questões de segurança por via militar pode agravar ainda mais o isolacionismo que impede o real conhecimento da região, cuja soberania virá a ser contestada pelo mundo todo. A melhor forma de integração é pelo conhecimento. A melhor defesa é a ocupação por proprietários titulados que interferem pouco com o meio ambiente.

AMAZÔNIA: DECÍFRA-ME OU TE DEVORO

Ao longo do tempo a Amazônia foi alvo de intervenções desastrosas que marcaram profundamente o imaginário do povo da região. Custa a crer que depois de tantas intervenções desastrosas, a floresta tenha permanecido incólume até os dias de hoje. Esta é a principal razão dos debates acalorados entre os diversos setores envolvidos, cada um tentando prevalecer seus argumentos como principal condicionante. Uns, tem uma visão demasiado otimista acerca da capacidade dos potenciais de suprir as necessidades do sistema Sudeste e Sul, uma visão exploratória que não contempla os riscos ambientais dos grandes reservatórios. Outros têm uma visão de um meio ambiente que precisa ser protegido a qualquer custo, como um “patrimônio da humanidade”, uma espécie de “santuário ecológico”.
Como conciliar opiniões distintas sem cair na posição maniqueísta de explorar ou não explorar? Em outras palavras, é possível aproveitar de forma sustentável os potenciais da Amazônia da mesma forma que os recursos naturais? É possível encontrar um meio mais inteligente de armazenar energia sem a utilização de reservatórios? Existem formas diferentes de exploração dos diversos recursos?
Os problemas da Amazônia envolvem aspecto de natureza sócio ambiental, políticas, técnicas e econômicos. Do ponto de vista sócio ambiental as restrições são genuínas, em vista dos antecedentes de interferência indevida. Do ponto de vista técnico, o problema está mal colocado. Mesmo sem focar os argumentos apenas no aspecto ambiental, constatamos que, de todas as intervenções, até hoje não conseguimos encontrar uma sequer que não resultasse em fracasso retumbante. Com o despertar da consciência ambiental no fim do século o olhar do mundo inteiro estará voltado para a região amazônica, pondo em xeque questões de soberania. Não é só a questão de emissão de gases do efeito estufa, mas também o efeito de grandes reservatórios que constituem fator elevado de risco potencial que podem alterar o clima de forma ainda não conhecida. Questões de segurança por via militar pode agravar ainda mais o isolamento que impede o real conhecimento da região. A melhor forma de integração é o conhecimento através da ocupação, cuja soberania vira a ser contestada pelo mundo todo. A melhor defesa é a ocupação por proprietários titulados que interferem pouco com o meio ambiente.
Será possível uma visão sistêmica que contemple o conjunto de todos os interesses envolvidos? Comecemos pelos interesses energéticos.
A Amazônia não deve ser vista apenas pelo ângulo particular ou do ponto de vista estreito de cada uma de suas riquezas presumidas, mas de uma forma sistêmica do conjunto de suas riquezas e problemas inerentes a ocupação desordenada. Assim, por exemplo, em lugar de licitar o aproveitamento de recursos individuais, hidroelétricos ou minerais, a providência que contempla todos os interesses envolvidos é o aproveitamento múltiplo por bacia, ou seja, a licitação de todos os recursos que interferem com o conjunto de atividades integradas: suprimento de energia, mineração, navegação e proteção adequada ao meio ambiente através de cláusulas restritivas de área inundada (altura). A usina de Belo Monte reúne duas condições para se tornar objeto de uma licitação do tipo sugerido.
Pela planície úmida da Amazônia correm rios torrenciais de discreto número de bacias: Juruá, Tefé, Purus, Madeira, Tapajós e Xingu. A concentração das chuvas, a configuração e o tamanho das bacias, mais do que a pluviosidade, é a causa principal da grande vazão dos rios, capazes de produzir grande quantidade de energia em curto período, ou seja, são rios de potência. É impossível, geograficamente, construir reservatórios de grande volume que não formem grandes espelhos d’água. Mas, mesmo subutilizados (low profile), os potenciais da Amazônia ainda conseguem produzir energia a custos compatíveis (71/78 US$/ Kwhora no Madeira), relativamente a outras fontes de energia renováveis.
O aproveitamento múltiplo é capaz de integrar toda a região amazônica de modo a romper com a condição de isolamento a que estão submetidos os atuais ocupantes e permitir a exploração não predatória de recursos naturais (energia, minerais e agricultura) sob um regime de subaproveitamento planejado (sustentável).
A usina de Belo Monte, considerada a “melhor do mundo” pela Eletrobrás, constitui um bom exemplo para explicar a diferença dos conceitos de energia e potência. De fato, tem tudo para se tornar um “bom” empreendimento: altura razoável de cerca de 90 metros, aliado a um reservatório diminuto, correspondente a ocupação da área de 400 quilômetros quadrados (10 por 40 quilômetros), inferior a área de qualquer açude nordestino ou do menor município brasileiro. Custa a crer que, em tamanho espaço da Amazônia, os índios estejam confinados à grande curva do Rio Xingu. Ora, se não conseguimos discutir racionalmente um problema tão pequeno, em termos de reservatório, qual a dimensão que o mesmo problema vai ter quando demandarem reservatórios que ocupem áreas maiores, da ordem das ocupadas por açudes nordestinos ou do total dos reservatórios do Sudeste? As usinas de montante certamente vão necessitar reservatórios de área muito superior a 400 quilômetros quadrados para regularizar a vazão do no Rio Xingu, para que deixe de ser, tipicamente, apenas uma usina de fio d’água. Isto mostra que as restrições socioambientais vão continuar e a estratégia utilizada com sucesso no Sudeste não pode ser simplesmente repetida no Norte. O planejamento dos potenciais da Amazônia necessariamente deve ter um enfoque diferente.
Mas o custo do reservatório não corresponde apenas ao valor imobiliário da terra inundada, o que seria algo suportável em uma região devastada como a do reservatório de Furnas, por exemplo. É o fato de a inundação ocorrer em área da floresta amazônica que torna o custo ambiental infinitamente maior e, portanto, o efeito altura mais evidente. Se não é aceitável um reservatório das dimensões do de Furnas em Belo Monte e foi necessário reduzir sua área para diminutos 400 quilômetros quadrados — para que o licenciamento ambiental fosse aprovado — como justificar um reservatório com área cinco vezes superior, em qualquer reservatório de cabeceira dos rios Xingu, Tocantins, Tapajós ou Madeira?

COMBUSTÍVEIS ECOLÓGICOS: TERMOELÉTRICAS SUPERSÍNCRONAS.

Acabou a galinha, acabou o resguardo.


Com raras exceções, toda forma de energia, a ser utilizada em larga escala no mundo todo, passará de uma forma ou de outra, pela queima de algum combustível. Produzir energia através de combustível se tornou a alternativa preferencial de todos os países diante dos custos elevados de outras formas de produção e a maior evidência da abundância desse recurso é o preço seja petróleo ou similar.
Nos países industrializados, a queima direta de petróleo é a forma natural de evitar os elevados investimentos em energia nuclear, imprópria para fins de aquecimento. Nos países em desenvolvimento a utilização de termoelétricas é a forma preferencial de evitar o custo ambiental e os elevados investimentos em grandes usinas hidroelétricas e linhas de transmissão. Nem a energia nuclear -- esperança do futuro -- escapa das limitações impostas pelo segundo princípio da termodinâmica, assim como a energia hidroelétrica não escapa do processo físico da transformação em regime de baixas velocidades. As limitações decorrem de princípios físicos que regem a transformação: “processo termodinâmico” no primeiro caso e “regime de velocidades” no segundo. Não há como violar estes princípios básicos sem aumento de custos, nos dois casos.
A classificação “renovável” atribuída à energia potencial hidroelétrica, em contraposição ao combustível como recurso limitado, não leva em conta o fato de que são grandezas distintas. Uma, o petróleo, é um estoque de energia, cujo montante é desconhecido, enquanto a energia potencial é uma parcela atual de energia, renovada continuamente, mas cujo montante, bem determinado, se esgota rapidamente com a utilização dos saltos potenciais disponíveis. Não é acumulável e nem comporta acréscimos, o que torna a energia potencial um recurso muito mais limitado que o combustível. Não leva em conta tambem o fato de o combustível ser tambem uma forma de energia que pode ser “renovada” pela ação do homem em quantidade expressiva, limitada apenas à quantidade de terra disponível. Ao cultivar plantas energéticas como cana e florestas artificiais o homem exerce um efeito benéfico sobre o meio ambiente, repondo, de certa forma, aquilo que foi subtraído pela sua ação predatória do passado. Isto mostra que o combustível é uma fonte infinitamente mais abundante que a energia potencial disponível e a maior evidência desse fato é o preço atual dos combustíveis, tanto petróleo como combustível alternativo.
Outro fator não considerado nas análises de alternativas se relaciona ao custo ambiental e econômico propriamente dito. Não leva em conta, por exemplo, que o combustível cultivado é muito menos agressivo ao meio ambiente do que hidroelétricas pela garantia antecipada de saldo negativo de emissão de gases do efeito estufa. No aspecto econômico a vantagem da utilização do combustível em termoelétricas é muito mais significativa em razão do “regime de velocidade” em que a transformação se processa. Apesar de menos eficiente no aspecto termodinâmico, esta desvantagem é largamente compensada pela transformação em rotação padrão de 60 Hertz. As demais fontes potenciais disponíveis, inclusive eólicos e de marés não têm limitação física, mas estão sujeitas aos custos elevados da transformação sob regime de baixíssimas rotações, da ordem de 1 a 4 Hertz.
Fundamentos:
A maneira mais eficaz de produzir calor é através da queima direta de combustível e, não por coincidência, o aquecimento é a maior demanda dos países industrializados de clima frio (58% nos Estados Unidos). Portanto, é de se esperar que o consumo de petróleo pelos países industrializados continue elevado. Não há nada de errado em utilizar combustível barato para fins de aquecimento (petróleo e combustível líquido). O irracional seria utilizar energia nuclear e alternativa mais cara inadequadamente. Protelar alternativas caríssimas é uma atitude coerente.
O modo mais barato de produzir trabalho mecânico é através da utilização dos potenciais hidroelétricos e a energia de acionamento é a maior demanda dos países em desenvolvimento (50%). Não é, por acaso, que os últimos potenciais inexplorados se encontrem nos países em desenvolvimento (700 GW). Portanto, é de se esperar que o consumo de combustível pelos países em desenvolvimento continue elevado. Não há nada de errado em utilizar combustível barato em termoelétricas para fins de acionamento. O grande perigo é incorrer nos mesmos erros do passado quando foram feitos vultosos investimentos centrados em grandes projetos hidroelétricos.
O transporte, maior consumidor de combustível, é a segunda maior demanda dos países industrializados (34%) e a primeira dos países em desenvolvimento (50%). No entanto, o mundo todo continua utilizando o motor à explosão, um meio bastante ineficiente de produzir energia de acionamento. Ironicamente, o aquecimento solar direto, que é, sem dúvida, a melhor forma de produzir calor, não está plenamente disponível para os que dele mais precisam: os países de clima frio. Nos países tropicais, é desnecessário.
Os fatores determinantes do custo da energia são o “processo termodinâmico” e o “regime de velocidade” em que as transformações se processam. O primeiro rege a transformação de calor e o segundo rege a energia de acionamento. Vejamos como as diferentes formas de suprimento se comportam perante estes dois fatores:
Em primeiro lugar, quase todos os potenciais hidroelétricos no mundo todo já foram utilizados, em razão da sua evidente economicidade. Passaram pelo processo de “seleção natural” e, hoje, são raridade. A usina de Três Gargantas, em construção na China talvez seja uma das últimas hidroelétricas de baixo custo em todo o mundo. Com 185 metros de altura e rotação de 9 Hertz, tem custo inferior a qualquer usina brasileira. Jupiá, uma das mais caras, com queda de 20 metros e frequência de três Hertz, é visivelmente lentíssima.
No Brasil as possibilidades são ainda mais remotas. Os potenciais da Bacia Amazônica, vistos como promissores, devem analisados com cautela, pois são potenciais de baixa queda e grande vazão, característicos das regiões de planície, altamente hostis ao meio ambiente e com os altos custos inerentes (cerca de 3000 US$ /kW), em tudo semelhantes àqueles de Jupiá e jusante, no Rio Paraná.
As hidroelétricas atuais são limitadas fisicamente pelo relevo, tanto do ponto de vista econômico como ambiental e as termonucleares são custosas devido ao processo de transformação (cerca de 3000 e 6000 US$/ kW respectivamente).

São condições geográficas que determinam o fraco desempenho dos grandes potenciais da região amazônica, tanto do ponto de vista ambiental como econômico. Pequenos desníveis criados para geração de energia elétrica implicam em grandes reservatórios, agressivos ao meio ambiente. Do ponto de vista econômico, a transformação se opera em regime de baixas velocidades, o que implica maiores custos de barragens e vertedores, alem do maior custo dos equipamentos, turbina e gerador e extensas linhas de transmissão.

O fato de termos construído, no passado, as custosas usinas hidroelétricas do Rio Paraná, pelas quais pagamos alto preço, não constitui motivo para incorrer nos mesmos erros. As condições se repetem de maneira inteiramente semelhante às dos anos 80 quando os recursos financeiros dos países pobres do mundo estavam sendo transferidos para os industrializados. Em 80 as transferências ocorriam por conta das dívidas sobrevalorizadas, agora são nossas reservas que correm risco. Mas não somos obrigados a cair na mesma cilada das altas taxas de juros e baixo preço das comodities, incluindo petróleo e etanol.
Em segundo lugar: termonucleares podem ser discutíveis por motivos de segurança, mas o processo inicial em si é eficiente e limpo, inclusive para destruir, infelizmente! Mas sua utilização se torna inadequada para aquecimento por motivo dos altos custos inerentes ao processo subseqüente da transformação indireta do calor em calor, condicionada ao segundo princípio da termodinâmica, como uma termoelétrica convencional a vapor d’água. O “processo termodinâmico” é inadequado.

Em terceiro e último lugar, queimar petróleo é um desperdício -- ou forma predatória de utilização de um recurso valioso e insubstituível como fonte de aquecimento -- simplesmente porque é barato, quando podem ser encontrados combustíveis líquidos mais simples, derivados da cana e celulose, que substituem suas propriedades puramente energéticas.
O petróleo é um produto sui generis, de mais larga utilização em todo o mundo em razão do multiuso dos inúmeros produtos valiosos que resultam de sua destilação. Explorar petróleo como matéria prima de exportação constitui um procedimento pouco inteligente, posto que, o petróleo é uma comodity como outra qualquer, cujo preço, 40 centavos de dólar o litro, é pouco superior ao da soja pronta para o consumo. Exportar petróleo bruto é como exportar comodities ou minérios, inclusive o etanol. O que realmente produz riqueza e desenvolvimento é a destilação do petróleo, uma das indústrias mais lucrativas do mundo, fonte de inúmeros conflitos e disputas políticas. O procedimento mais inteligente é exportar a tecnologia e maquinário de produzir etanol e usar combustíveis para geração de energia elétrica mais barata e de forma mais ecológica, em lugar de exportar combustíveis.
. Uma alternativa promissora, para países que dispõem de combustíveis alternativos e petróleo, como o Brasil, é a ”estocagem do petróleo” para utilização futura, quando novas tecnologias estiverem disponíveis. Neste caso, a melhor forma de estocagem é a “não exploração” dos poços conhecidos.
O petróleo é um produto valioso para ser queimado, simplesmente porque continua barato, mas, países de clima frio não têm alternativa visível para aquecimento (cerca de 40% de todo consumo mundial de energia), senão a queima de combustível. Consumirão preferivelmente petróleo barato em lugar da energia nuclear (8000 Us$/ kW), cuja construção estão protelando. O consumo para aquecimento nos países de clima frio é mais econômico por utilizar a parte positiva da transformação, através da queima direta do combustível.
Por outro lado, utilizar potenciais de região de planície é uma forma de agredir o meio ambiente e, sobretudo antieconômico. Queimar combustível líquido em termoelétricas para produzir trabalho mecânico é uma forma ecológica e mais econômica do que em novas hidroelétricas.




CONSIDERAÇÕES AMBIENTAIS

Outro fator não considerado nas análises de alternativas se relaciona ao custo ambiental e econômico propriamente dito. Não leva em conta, por exemplo, que o combustível cultivado é muito menos agressivo ao meio ambiente do que hidroelétricas pela garantia antecipada de saldo negativo de emissão de gases do efeito estufa. No aspecto econômico a vantagem da utilização do combustível em termoelétricas é muito mais significativa em razão do “regime de velocidade” em que a transformação se processa. Apesar de menos eficientes no aspecto termodinâmico, esta desvantagem é largamente compensada pela transformação em rotação padrão de 60 Hertz. As demais fontes potenciais disponíveis estão restritas a transformação sob regime de baixíssimas rotações da ordem de 2 a 4 Hertz, características dos últimos recursos potenciais disponíveis o que impõe custos elevados de equipamentos, barragens, vertedores, casa de força, sobretudo extensas linhas de transmissão do atual sistema interligado, padronizado e sincronizado de frequência, de difícil gestão.

--Porque as termoelétricas têm baixo custo fixo? O conceito chave da eficiência está relacionado com a velocidade: por serem velozes são econômicas, tal qual as modernas turbinas de avião.
Termoelétricas projetadas para funcionar em 60 Hertz poderiam funcionar em frequência maior, digamos 120 Hertz, quando acionadas por uma turbina de avião a 7200 RPM. Os benefícios seriam enormes, posto que, em princípio, forneceriam potência dobrada com o mesmo gerador. Entretanto, o conjunto precisa ser reprojetado para contemplar as novas condições de funcionamento, sobretudo maior ventilação, para dissipação das perdas decorrentes da maior potência concentrada em dimensões reduzidas. Este arranjo resulta numa combinação de alta tecnologia de fabricação de turbinas com geradores de frequência superior a 60 Hertz, muito mais eficiente do que as volumosas e lentas usinas hidroelétricas.
--Aos atuais preços do petróleo de 40 Centavos de Dólar o litro e taxa de juros de 12% ao ano, praticado pelo mercado, já são possíveis térmicas mais baratas do que as hidroelétricas da Amazônia.
Termoelétricas não contemplam apenas a necessidade conjuntural do presente, mas permitem adiar investimentos vultosos em um sistema interligado que pode se tornar ocioso para interligar apenas as poucas usinas hidroelétricas de um potencial em fase final de aproveitamento. Nem ao menos sabemos se vale a pena ampliar o atual sistema interligado para abranger apenas umas poucas hidroelétricas e que perderá a função em um novo mundo descentralizado, depois da crise atual. Qual vai ser a configuração futura do sistema interligado diante das profundas mudanças do mundo globalizado?
Termoelétricas permitirão reparar, de certa forma, o erro de perpetuar um sistema baseado em fonte única. As hidroelétricas atuais ficariam liberadas do “critério de risco” nos períodos prolongados de seca. É mais razoável economicamente correr risco com termoelétricas nestes períodos por terem custo de capital menor e, portanto, mais aptas para permanecerem ociosas em períodos chuvosos.


CONCLUSÕES:

O baixo nível de atividade econômica, prevista com a recessão no mundo todo, privilegia as térmicas como solução provisória, que adia investimentos altos em hidroelétricas, no presente, aproveitando as boas condições de preço dos combustíveis atuais. Alem disso os maiores gastos de combustível ocorrerão a prazo, enquanto os custos de capital com hidroelétrica ocorrem no ato da decisão, portanto irreversíveis.
A fase dos grandes empreendimentos hidroelétricos está chegando ao fim em todo o mundo. Depois de utilizados os potenciais de baixo custo o ambiente se assemelha a um final de festa. A nova fase do suprimento de energia será, inelutavelmente, de origem térmica (convencional ou termonuclear). A pretensa abundância de potenciais na Bacia Amazônica não deve levar à repetição de projetos que hoje se mostram inviáveis pelo alto custo do dinheiro (taxa de juros). Esta é a imagem atual do Sistema Elétrico Brasileiro: O potencial da Amazônia não é o que parece. Se de fato fossem baratos, já teriam sido aproveitados.

--Suprir energia através de termoelétricas a combustíveis líquidos e gasosos, provenientes da cana e madeira é a alternativa promissora do momento, especialmente nas condições atuais de taxas de juros perto de 12% ao ano, praticadas pelo mercado, e preços do petróleo na faixa de 40 centavos de dólar o litro.
--Aproveitar o programa do álcool, que custou tanto sacrifício, para que o setor sucroalcooleiro não seja penalizado é a providência mais urgente, especialmente depois dos altos investimentos já realizados. Mas, sem dúvida alguma, a grande economia no suprimento de energia vai provir da “mudança de rumo” no que respeita à composição das fontes de suprimento de energia, ou seja, a utilização das termoelétricas, no sentido de potencializar as atuais fontes, de origem quase que exclusivamente hidroelétrica, e dos novos vetores energéticos: combustíveis líquidos e gasosos que farão funcionar as novas termoelétricas. Estes “novos rumos” fazem parte das estratégias de uso-final da energia, conforme preconizado pelo relatório premiado de José Goldenberg: produção sob novas formas (térmicas) para uso-final da energia.

Em última análise, o suprimento de energia por termoelétricas a combustível (líquido ou mesmo gás de petróleo) é uma alternativa que acompanha o desenvolvimento de tecnologias modernas no sentido de maiores velocidades em todos os setores Todo esforço do empreendimento humano tem sido no sentido do aumento constante da velocidade, que constitui a tendência marcante do mundo moderno. Esta tendência é evidenciada pelas modernas turbinas dos jatos supersônicos, da incrível velocidade de escape dos foguetes, dos aparelhos de corte de cerâmica, das atuais brocas de dentista, dos automóveis e carros de corrida e, sobretudo, pelo aumento crescente da velocidade da informação. Assim como o mundo todo se desenvolveu graças ao aumento da velocidade da informação, o desenvolvimento correlato do setor secundário ocorre pelo crescimento da velocidade industrial das máquinas e conseqüente aumento da velocidade e rotação dos aparelhos produtores e consumidores de energia.
. O setor da produção energética, entretanto, persiste no emprego de hidroelétricas lentíssimas e volumosas (Jupiá, com 3 Hertz e 20 metros de diâmetro), termonucleares tecnicamente inadequadas e caríssimas (8000 US$/ kW), termoelétricas consumidoras de petróleo, etc. Se já existem turbinas velozes para avião, alimentadas por combustível líquido, por que não podem ser utilizadas para acionar geradores baratos em frequência de 60 Hertz?
Termoelétricas a combustíveis líquidos custam apenas 500 US$/kW instalado (dólares de 1960) e podem vir a custar menos com as pesquisas. Alem disso podem ser descentralizadas, não requerendo custosas linhas de transmissão nem reservatórios.
A provocação contida no título deste trabalho é uma forma de chamar atenção para o uso de termoelétricas mais velozes em substituição às hidroelétricas lentas.

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